quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As Aventuras de Pi' coloca o mundo num bote para refletir sobre tudo


'As Aventuras de Pi', de Ang Lee, estreia no Brasil - Divulgação
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'As Aventuras de Pi', de Ang Lee, estreia no Brasil
Pode ser que As Aventuras de Pi não seja um grande filme, mas é belo e misterioso. E muito bem dirigido. Ang Lee quebrou regras - reuniu água, criança (um adolescente, pelo menos) e animal (um tigre de Bengala). Cada um desses elementos é considerado, isoladamente, desestabilizador em qualquer filmagem. Imagine a potência conjugada dos três para criar o caos. É verdade que as novas tecnologias ajudaram, e muito. O filme foi feito na maior parte do tempo num tanque, em Taiwan, e a digitalização criou o efeito de mar aberto. O próprio tigre, tal como aparece na tela, é um efeito digital elaborado a partir de quatro animais - o tigre chamado de King, Rei, foi a matriz (imponente) para Richard Parker, duas fêmeas modelaram os momentos mais agressivos do bicho e um tigre canadense, de circo, os raros momentos dóceis.
O original chama-se Life of Pi, como o livro de Yann Martel em que se baseia, lançado no Brasil como A Vida de Pi. Embora tenha no currículo sucessos como O Tigre e o Dragão e obras de prestígio como O Segredo de Brokeback Mountain, que lhe valeu o Oscar de direção, Ang Lee conta que nunca foi tão difícil montar um projeto, talvez porque os produtores temessem pela conjunção de elementos desfavoráveis, mas também porque mais de duas horas com somente um tigre e um garoto num bote não parecem, a priori, muito interessantes para o público. É um mérito de Ang Lee que tenha conseguido prender o olho do espectador. Mais que isso. Filmou o olhar - e abriu uma janela para a alma.
O garoto criado num zoológico sobrevive ao naufrágio no qual perde os pais e os irmãos. Descobre-se na insólita situação de estar, em pleno oceano, num bote, com o tigre. Contar essa história encerra os desafios que já foram referidos. Mas isso não responde à questão essencial - por que Ang Lee quis tanto fazer As Aventuras de Pi? De Pushing HandsA Arte de Viver, há 20 anos, até Aconteceu em Woodstock, o cinema de Ang Lee trata com frequência, senão sempre, de laços de família. Pi, o protagonista de seu novo filme, perde a família dele, mas forma outra. O filme narra uma história de sobrevivência e transformação (interior). Remete ao tema dominante da obra do autor.
Em 1995, Ang Lee fez na Inglaterra - e Emma Thompson ganhou o Oscar de roteiro - uma sutil adaptação de Jane Austen. O filme chama(va)-se Razão e Sensibilidade e, desde então, Ang Lee gosta de dizer que esse é o embate que move seus personagens. Pi não é uma exceção, mas, agora, há algo mais, que envolve a própria narrativa de suas aventuras. A história é contada duas vezes. Por meio de uma requintada simetria audiovisual, que envolve imagem, som, efeitos, 3D, o diretor leva o espectador a compartilhar a experiência de Pi em alto-mar, tal como ele a conta para o aprendiz de escritor, na realidade, um aprendiz de vida. Ang Lee busca, com isso, despertar nossa sensibilidade. Mas aí, ocorre uma coisa - veja, para saber o quê - e a história é recontada oralmente, de forma sucinta, para que o escritor, no filme, retire dela o seu significado. É a ‘razão’.
Tudo vira símbolo em As Aventuras de Pi - o oceano, o bote, o tigre, o céu estrelado, a ilha na qual a dupla encontra abrigo e que, em si mesma, é um dos cenários mais estranhos do cinema. A ilha libera energias ou enzimas que destroem à noite o que oferece de dia. Alguém poderá pensar que se trata de ‘forçação’ de barra, mas foi o que moveu o diretor. A busca de um sentido metafísico (místico?) na vida de Pi e, por extensão, no próprio ato de filmar. Nesse sentido, a epopeia solitária de Pi, mais do que com Ernest Hemingway - O Velho e o Mar -, tem a ver com a do grupo de John Wayne em Hatari!, com a diferença de que Howard Hawks era mais simples e direto e Ang Lee se sente obrigado a reforçar com a razão o que teme que a sensibilidade não consiga assimilar.
AS AVENTURAS DE PI

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